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Entenda como a MP publicada por Bolsonaro interfere nos direitos de transmissão e por que pode mudar o futebol brasileiro | blog do rodrigo capelo





Fonte da matéria GloboEsporte.com

Alguns fatos são menos importantes pelas consequências imediatas, porém significativos para a história pelo reagrupamento de figuras e interesses. Este parece ser o caso da Medida Provisória 984/2020, editada por Jair Bolsonaro para compor com o Flamengo e interferir na venda dos direitos de transmissão do futebol brasileiro.

Factual, em primeiro lugar. Hoje, emissoras só podem transmitir partidas de futebol se tiverem a anuência de mandante e visitante. Na prática, elas precisam comprar ambos os direitos de transmissão. Este assunto foi regrado por meio da Lei Pelé, sancionada há duas décadas.

A MP 984 altera essa dinâmica. Sem que a concordância do visitante seja necessária, clubes poderão vender seus jogos enquanto mandante livremente. Faz mais diferença para o mercado do que você imagina.

A primeira questão é o prazo. MP existe para que o governo adiante nova regra, enquanto o Congresso corre para avaliar se ela será mesmo incorporada à legislação. A medida vale por 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Quatro meses, então. Se o conteúdo não for apreciado por deputados e senadores após 45 dias, ganha status de “urgente” e tranca a pauta. Nada mais é votado enquanto não houver deliberação.

É pertinente trancar a pauta legislativa com futebol por meio de Medida Provisória, ainda mais em meio à pandemia do coronavírus? Como Bolsonaro precisa fazer média com milhões de torcedores, vale tudo.

A segunda questão são os clubes alcançados de imediato. Para a maioria dos integrantes do Campeonato Brasileiro, os direitos estão todos vendidos pelo período entre 2019 e 2024. Mas há exceções.

O Flamengo não vendeu os direitos do Campeonato Carioca de 2022. Da maneira como a Lei Pelé estava disposta, nem venderia. A Globo comprou os direitos de todos os seus adversários, grandes e pequenos, portanto não autoriza que seus jogos passem em outro lugar.

O Athletico-PR vendeu os direitos do Brasileiro para a Globo, na televisão aberta, e para a Turner, na fechada. No pay-per-view, não há acordo vigente com nenhuma parceira.

Promovidos para a primeira divisão no ano passado, Coritiba e Red Bull Bragantino ainda não assinaram contratos para televisão aberta e pay-per-view no Brasileiro. O Coritiba vendeu a fechada para a Turner.

Nos quatro casos, as perspectivas são parecidas. Com a Lei Pelé vigente, eles estavam limitados à Globo para vender esses direitos, porque todos os adversários fecharam com a emissora. Direitos de visitantes estão “interditados”. A MP abre a possibilidade, ainda que questionável, para que dirigentes comercializem direitos soltos para outras empresas.

A terceira questão é a incerteza jurídica. Clubes beneficiados pela MP entenderão a situação da seguinte maneira: diante da legislação alterada e imediatamente válida, ainda que provisória, eles podem vender seus direitos de mandantes sem se preocupar com mais nada.

A Globo diverge. Em comunicado publicado pela emissora, o raciocínio é: de acordo com a legislação no momento em que a empresa comprou os direitos, a propriedade incluía direitos de mandantes e visitantes.

O confronto entre Bragantino x Corinthians obedeceria a qual critério?

  • O Bragantino pode vender este jogo porque é mandante?
  • A Globo comprou este jogo porque o Corinthians é visitante?

Esta incerteza jurídica pode afugentar justamente as empresas que comprariam os direitos ainda não comercializados pelos quatro acima.

A MP 984/2020 é a notícia da vez, mas a história que mudará o percurso de todo o futebol brasileiro ainda está se formando nos bastidores.

Existe um certo consenso no mercado de que a regra dos “direitos de mandantes e visitantes” serviu, até hoje, como um contrapeso para o desequilíbrio existente na distribuição dos direitos de transmissão. Pois evitou que os clubes de maior torcida pegassem todo o dinheiro.

Principalmente depois que o Clube dos 13 foi implodido em 2011, junto com a negociação coletiva e centralizada, temia-se que Corinthians e Flamengo, beneficiados pela negociação individual, descolassem dos demais clubes em termos de dinheiro arrecadado por meio da televisão.

O futebol espanhol desequilibrou enquanto negociações foram individuais. Barcelona e Real Madrid vendiam seus pacotes de 38 jogos por temporada, no Campeonato Espanhol, e obviamente tinham um poder de barganha muito maior do que Alavés e Eibar. Até que houve intervenção estatal em 2015 e a centralização dos direitos na LaLiga.

Hoje surgiu uma nova percepção entre dirigentes.

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia — Foto: Guilherme Bellintani/Arquivo pessoal

Alguns presidentes querem mudanças e exercem influência sobre os demais. É o caso de Guilherme Bellintani, do Bahia, que elogiou publicamente a MP 984 nas redes sociais. Mario Celso Petraglia, do Athletico-PR, também tem este perfil e adora um atrito com a Globo.

A lógica defendida pelos “rebeldes” é a de que a derrubada da anuência do visitante poderá equilibrar a distribuição dos recursos de transmissão, desde que surja um bloco de clubes, mesmo que médios e pequenos.

Suponha o seguinte cenário, que hoje circula nos grupos de Whatsapp frequentados por cartolas de todos os clubes do primeiro escalão.

Este bloco com oito clubes comercializou os direitos de transmissão para televisão fechada, anos atrás, com a Turner. Hoje a empresa americana não tem mais interesse no futebol brasileiro, depois de seu negócio fracassar e ainda ser agravado pela pandemia do coronavírus.

Nas regras da Lei Pelé antes da modificação, a Turner havia comprado um pacote de 56 partidas. Ou seja, os jogos desses oito clubes entre si.

Nas regras alteradas provisoriamente pelo governo, este mesmo bloco poderá vender 152 jogos. A soma dos “direitos de mandante” de todos.

Com um diferencial. Se nas regras convencionais eles não teriam direito a nenhuma partida contra o Flamengo, que naturalmente tem audiências superiores por causa do tamanho de sua torcida, com a mudança seus dirigentes teriam oito jogos contra o “visitante” Flamengo.

E para quem eles venderiam os direitos de transmissão? Para a própria Globo, talvez. Ou para concorrentes em televisão aberta e fechada. Ou então este bloco pode criar uma plataforma própria para streaming de partidas, subtrair o “intermediário” do negócio e cuidar de toda a operação. Isso logicamente inclui custos e riscos consideráveis.

Isto não é um exercício de lógica, mas a corrente que, com a MP 984, ganhou força entre dissidentes da Turner. Dirigentes acreditam que este possa ser o embrião de uma liga no futebol brasileiro.

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